30 abril 2008

Porto - 25 de Abril de 1974





O 25 de Abril no Porto


O 25 de Abril no Porto não teve a espectacularidade, o sincronismo e a determinação dos operacionais de Lisboa. Não teve, desde os primeiros momentos, a força e a generosidade espontânea do povo anónimo da Invicta. O povo do Porto só encheu a Avenida dos Aliados, a Praça do Município e a Praça da Liberdade, mais para o fim da tarde, depois de se saber que a marcha da revolução já era irreversível!

A indecisão, a falta de firmeza e as atitudes ambíguas por parte de algumas das forças ligadas ao Movimento, uma acção mais destemida e concentrada das forças fiéis ao regime, o corte dos telefones e da energia eléctrica ao Centro Emissor de Miramar do RCP, deu tempo para que as forças hostis ao Movimento mostrassem as suas garras.


Cronologia dos acontecimentos:


24/04/74

3 horas da manhã – A esta hora foi recebido no CICAP (Centro de Instrução de Condução Auto do Porto) o "Plano Geral das Operações". Homens da confiança do MFA e com este comprometidos, distribuíram essas instruções por todas as Unidades do Norte do País.

O major Delgado da Fonseca, ligado ao Movimento dos Capitães desde o seu início, foi destacado para o Porto em Janeiro de 1974. Foi um dos responsáveis pelo núcleo do Norte do MFA. Depois do Golpe das Caldas (16 de Março de 1974), apesar de vigiado e seguido pela Pide, foi transferido para Lamego para substituir oficiais demitidos após aquele Golpe.

22.30 horas – O major Delgado da Fonseca reuniu-se, num dos quartéis de Lamego, com os instrutores e outros elementos da sua confiança. Deu-lhes a conhecer o Programa do MFA e a operação que se iria desencadear nas primeiras horas do dia 25 de Abril, em Lisboa. Obtido o apoio de todos, foi constituída uma Companhia de Comandos que, armados até aos dentes, marchou sobre o Porto.


25/04/74

Até às 3 horas da madrugada: - Desde a primeira hora que o comandante do CICAP aderira ao MFA. No seu gabinete, juntamente com outros oficiais, com os ouvidos colados à telefonia, esperavam ouvir as “senhas”. A sintonia dos Emissores Associados de Lisboa era péssima e por isso não ouviram nem a “senha” nem a canção do Paulo de Carvalho. Sintonizaram a Rádio Renascença e aguardaram a segunda “senha”. À meia-noite e vinte minutos foi lida a primeira quadra de Grândola Vila Morena, seguida da canção do Zeca Afonso. Iniciada a operação e, como o segundo comandante não aderira ao Movimento, este teria de ser preso. Segundo o plano traçado por Otelo competia aos oficiais e soldados executarem as tarefas que lhes cabiam.

Em Lamego, depois dos instruendos terem sido informados do que se estava a passar e terem aderido ao Movimento, o Quartel Central onde se encontrava o major Delgado da Fonseca foi tomado pelos revoltosos. Às 3 horas da manhã partiram rumo ao Porto, tendo como missão ocupar a Pide/Dgs.

No Porto, tudo estava a correr como o previsto. O coronel Ramos Freitas, chefe da Região Militar do Porto, não aderira ao Movimento e foi necessário prendê-lo.

No RCP, na delegação do Porto, era difundida música, anúncios, notícias e comentários.

Às 2 horas, no Centro Emissor de Miramar, entrou de serviço o técnico Telmo de Morais. Nos estúdios de Tenente Valadim, no Porto, estava de serviço o operador Antero Rodrigues que controlava a emissão. Estava no ar, em simultâneo com Lisboa, o programa "A noite é nossa".


Das 4 às 6 horas da madrugada:

4 horas - Mudança na programação do RCP. Transmitia-se só música, muito poucas palavras e publicidade... nada!

4.26 horas - Joaquim Furtado leu o 1º Comunicado do Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas, seguindo-se de marchas militares. Telmo de Morais telefonou a Antero Rodrigues, em Tenente Valadim, chamando-lhe a atenção que algo de insólito se estava a passar. Este ficou com atenção à programação e ouviu o 2º Comunicado do MFA. Contactou imediatamente os estúdios de Lisboa que lhe disseram: "Eh, pá, não se está a passar nada, isto está normal, normalíssimo… Oh, pá, mas isto está tudo bem, não há problema nenhum, está tudo porreiro... Estão aqui uns militares amigos… Oh, pá, não posso dizer mais nada... Estão aqui militares amigos… Está tudo bem, tudo normal... E agora tenho que desligar!" Telefonou imediatamente para Miramar e pôs Telmo Morais a par da situação. Tentou, ainda, novo contacto com Lisboa mas os telefones não funcionavam.

4.30 horas - Telefonaram para casa do coronel Ramos Freitas, solicitando a sua presença urgente no QG. Ao sair de casa este foi preso por vários oficiais e soldados que o aguardavam e o levaram para o CICAP, onde foi fazer companhia ao 2º comandante desta Unidade, igualmente preso. De várias Unidades do Porto saíram homens e material rumo a objectivos desconhecidos.

5 horas - Fui acordado pelo telefonema de um amigo que me disse que algo de muito importante se estava a passar e que em Lisboa havia tropas na rua, no Porto havia movimentações militares e que o RCP estava a transmitir comunicados, marchas militares e canções proibidas. Saltei logo da cama e fui para a rua, sem antes dar a notícia a outros amigos…as primeiras pessoas, incrédulas e cheias de medo, começaram a aparecer nas ruas da cidade! Os telefones foram cortados em vários sectores, dificultando as comunicações entre as várias Unidades e o Quartel-General. As Unidades de Braga, Viana do Castelo e o RAP 1 tomaram as suas posições, conforme o plano previamente estabelecido.


Das 6 às 9 da manhã

6 horas - Dois camiões militares pararam enfrente ao Emissor de Miramar, os militares desembarcaram e cercaram o Emissor. Entraram no edifício e disseram a Telmo Morais que estavam ali para proteger e defender os emissores e as instalações do RCP. Em Tenente Valadim foi desfeito o simultâneo com Lisboa e retomada a programação normal. Apesar dos pedidos dos militares para ser retomado o simultâneo com Lisboa, este não foi feito.

7 horas - A Companhia de Comandos vinda de Lamego parou no Campo 24 de Agosto. O major Delgado da Fonseca telefonou de uma cabine pública para o QG (Praça da República) mas os telefones estavam cortados. Telefonou, depois, para o CICAP. O brigadeiro Eurico Corvacho alterou a missão dos Comandos e pediu-lhes que se dirigissem para esta Unidade. Um aparatoso e barulhento cortejo militar atravessou a cidade, passando pela Avenida dos Aliados, Rua dos Clérigos, Praça dos Leões, Carmo (mesmo nas barbas da GNR) e terminou no CICAP.

8 horas - A CHENOP (concessionária da energia eléctrica do Norte de Portugal) cortou a corrente eléctrica a Miramar, o que veio a impossibilitar que os militares e a população seguissem o desenrolar das operações em Lisboa. As tropas tomaram posições nos lugares chaves. Militares, carros de assalto e armas pesadas viram-se um pouco por toda a cidade. Na Ponte da Arrábida estavam tanques virados para o Sul; um blindado munido de um canhão apontava para a Câmara; soldados e carros moviam-se no aeroporto de Pedras Rubras...

8.30 - O Regimento de Infantaria 6 e o oficial que estava em Miramar tiveram a atitude de firmeza necessária para que o RCP retomasse o simultâneo com Lisboa. A partir daqui as operações começaram a desenrolarem-se ao ritmo desejado. Os comandos recém-chegados de Lamego, dividiram-se em dois grupos: um, dirigiu-se a Tenente Valadim e ocupou militarmente o RCP; outro, dirigiu-se para a Companhia dos Telefones e resolveram o corte dos telefones; o outro grupo dirigiu-se para os Estúdios da RTP, no Monte da Virgem, tomando-o sem qualquer resistência. As estações de rádio começaram a transmitir marchas militares, música de intervenção e comunicados.


A partir da 9 horas da manhã

9 horas - As pessoas, agora em maior número, começaram a juntar-se na Baixa portuense, em busca de notícias frescas, de união e de esperança. Estabeleceu-se uma comunhão recíproca entre populares e militares. Houve sorrisos no ar, compartilhou-se cigarros, comida, bebida, cravos vermelhos, palavras de ordem, gritos de vitória… Apesar dos apelos lançados pelo Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas e pelo Posto de Comando do MFA no Porto, o comandante da PSP mandou para a rua os seus homens, numa tentativa de intimidação e de provocação.

11 horas - O RCP ficou, a nível nacional, sem a rede de Modulação de Frequência e o Posto de Comando do MFA só era escutado através do emissor de Lisboa de Onda Média. Já no Porto, o major Delgado da Fonseca espalhou oficiais à paisana pela cidade, que o mantiveram informado não só do desenrolar das operações como também da aderência e do entusiasmo popular.

15 horas - A Baixa começou a ter uma moldura humana que buscava notícias. São os militares que orientavam o trânsito, respondiam às perguntas das pessoas e confraternizam com elas. Um grande jornal de parede, na entrada do jornal "O Comércio do Porto" dava as últimas notícias (constantemente renovadas) sobre o evoluir da revolução. Na Avenida dos Aliados e na Praça da Liberdade a multidão que engrossava a cada minuto que passava, começou aos gritos de "vitória", "viva o MFA", "abaixo o fascismo" "morte à Pide"…. Foi nesta altura que a polícia transportada em várias carrinhas carregou, lançando o pânico entre os manifestantes batendo, como era habitual nestas situações, nos populares indefesos. O simples engatilhar das armas dos soldados fez com que a polícia fugisse em debandada pela Avenida em direcção à Praça da Liberdade, largando cacetetes, bonés, sapatos e crachás. As carrinhas, ao tentarem fugir, foram alvo da fúria da multidão que carregou sobre elas, quebrando os vidros e ferindo os polícias que fugiam com gritos de pânico. Dos gritos "Morte à Pide", "Fascismo nunca mais" as palavras de ordem começaram a ser substituídas por "Liberdade para os presos políticos". A multidão começou a sair da Praça e a caminhar para a Rua do Heroísmo, tentando assaltar a Sede da tenebrosa polícia. A PSP que guardava a Pide foi atacada pela multidão. Houve tiros, correria de pessoas mas, pouco depois o número de manifestantes engrossou e a atitude destes não deixava qualquer dúvida. A PSP foi substituída por soldados, que tentaram pôr um tampão entre os manifestantes e elementos daquela polícia política.

Durante a noite o movimento na Baixa da cidade e na Rua do Heroísmo era muito. Cantava-se, davam-se vivas ao MFA, aos Soldados, aos Marinheiros. À Liberdade e esperava-se, pacientemente, o comunicado à Nação a ser feito pela Junta de Salvação Nacional recentemente formada.


26/04/74

Durante a madrugada e a manhã deste dia a multidão manteve-se compacta na sede da Pide, os agentes desta polícia resistiram e queimaram documentos, o que veio a dar origem a um reforço de tropas, com muitas viaturas e carros de assalto. Depois de intensas negociações, os presos políticos encarcerados na Rua do Heroísmo foram libertados, debaixo de uma forte ovação. Os agentes foram presos e conduzidos em viaturas militares para o Quartel da Região Militar do Porto, debaixo de uma vaia tremenda. Alguns carros que estavam nas proximidades do edifício e que "segundo parecia" pertenciam a agentes daquela polícia política, foram alvo da sanha da população enfurecida que os destruiu, entre gritos de júbilo!


Para concluir…


A Revolução de 1974 veio pôr termo ao regime autoritário implantado pela Revolução de 28 de Maio de 1926 e abrir caminho a um regime democrático assente no reconhecimento dos direitos, garantias e liberdades fundamentais dos cidadãos e numa concepção pluralista do poder político.


“Coimbra, 27 de Abril de 1974 – Ocupação das instalações da Pide.

Enquanto, juntamente com outros veteranos da oposição ao fascismo, presenciava a fúria de alguns exaltados que reclamavam a chacina dos agentes, acossados lá dentro, e lhes destruíam as viaturas, ia pensando no facto curioso de as vinganças raras vezes serem exercidas pelas efectivas vítimas da repressão. Há nelas um pudor que as não deixa macular o sofrimento.

São os outros, os que não sofreram, que se excedem, como se estivessem de má consciência e quisessem alardear um desespero que jamais sentiram”.

(In “Diário XII” . Miguel Torga)

José Gomes

Texto CHUVISCOS

4 comentários:

Branca disse...

Amigo,
Já comentei este texto no Zé Gomes, mas nunca é demais divulgá-lo e a frase final sobre os de má consciência é lindíssima e muito elucidativa.
Beijinho

Anónimo disse...

O autor deste texto devia estar a dormir no 25 Abril. Não faz um pequena ideia dos autores que comandaram as operações, da operação de assalto ao QG, da sequencia dos acontecimentos, etc. Este artigo é pura ficção. Haja paciencia ...

Cor reformado Delgado Fonseca disse...

Este comentário do sr Anónimo é evidentemente de alguem que não quer mostrar a cara por alguma razão e no entanto atreve-se a dizer mal de um trabalho muito correcto que só peca em pequenos pormenores da linha de tempo e algumas circunstâncias sem importância.
Quanto à ocupação do QG, tirando o movimento da pequena força do CICAP para o QG para aí levar o Sr Ten Cor Azeredo, pouco mais se conhece. Do que sei é que desde a sua ocupação até à rendição de Marcelo Caetano em Lisboa o QG do Porto não deu instruções às forças empenhadas nas várias missões e isso complicou muito as coisas.Não houve comando.

Nuno Costa disse...

muito me agrada ver neste blog a palavra tão abalizada como é aquela do Sr. Coronel Delgado da Fonseca no que ao 25 de Abril na cidade do Porto diz respeito. só uma pergunta: os nomes dos funcionários que refere e que se encontrariam de serviço em Tenente Valadim e Miramar correspondem, de facto, ao nome reais dos mesmos? para a investigação que me encontro a fazer de momento, estes dados seriam de certa forma importantes... Obrigado!


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