03 abril 2009
11 fevereiro 2009
30 ANOS DEPOIS DO 25 DE ABRIL DE 1974
Trinta anos depois do 25 de Abril: Quatro versões de uma revolução
O dossier de A PÁGINA tem neste número um formato um pouco diferente do habitual. Para assinalarmos o trigésimo aniversário da revolução que marcou a história do Portugal contemporâneo, fomos ouvir quatro gerações de portugueses - a que participou directamente nos acontecimentos, a que nasceu por altura da revolução e as gerações de 80 e de 90 - procurando saber, trinta anos depois, para que serviu afinal o 25 de Abril? E o País: mudou para melhor ou para pior? Ficam os testemunhos.
Há trinta anos, numa madrugada sem chuva, Portugal acordava para um dia que iria mudar a sua face. Estava-se a 25 e o mês era Abril. Na rádio ouvia-se "E Depois do Adeus", de Paulo de Carvalho. Algumas horas mais tarde, vivia-se nas ruas a confusão própria de um período revolucionário em curso. Pois é: já passaram três décadas desde a revolução dos cravos, mas a memória daquele que é um dos mais significativos acontecimentos históricos do país continua bem vivo no espírito de muitos portugueses.
Ainda vivo em Carlos Maia, por exemplo, na altura um jovem de 22 anos militante do Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses/ Movimento Revolucionário do Proletariado Português, crente nos ideais revolucionários e na soberania popular como único meio de dar um novo rumo ao país. ?Era um tempo de poesia ? a célebre frase inscrita no quadro de Vieira da Silva 'A poesia está na rua' reflecte muito bem o espírito que se viveu nesse período ? e de esperança no futuro?, diz com alguma melancolia à mistura.
Trinta anos depois, admite que o optimismo deu lugar à decepção. ?Vivemos numa democracia, que era a principal aspiração do povo português, mas ficou-se, na minha opinião, aquém daquilo que se ambicionava: uma verdadeira democracia popular, onde os cidadãos participassem activamente na vida política e decidissem por si o que considerassem mais conveniente para o país. Hoje em dia não é isso que acontece, e a elevada abstenção nas eleições é disso um reflexo?.
Uma visão diferente da de António Narciso, 54 anos, gerente comercial, que confessa não ter entrado em grandes entusiasmos político-partidários e encarado com alguma reserva a situação que se gerou no pós 25 de Abril.
Recorda que foi uma altura muito confusa, com as diferentes facções partidárias a confrontarem-se de forma violenta, e chegou mesmo a temer por uma guerra civil. ?Ainda bem que houve bom senso, mas correu-se um sério risco de confronto armado generalizado e de uma ditadura de esquerda chegar ao poder?.
Desde então, considera que o país evoluiu para uma situação estável e acredita mesmo que Portugal deu uma lição de civismo ao mundo, mostrando como se pode transitar pacificamente de uma ditadura para uma democracia. ?Em muitos outros países uma revolução como a nossa teria terminado num banho de sangue, mas os portugueses são um povo pacífico e mostraram como, mesmo com divisões, se consegue chegar a um consenso para atingir o bem comum".
Apesar de ser favorável a um regime democrático, considera que na ditadura de Salazar não se vivia a "bandalheira" que hoje se verifica no país, dando como exemplos a subida da criminalidade e a corrupção generalizada, inclusivamente entre aqueles que, na sua opinião, deveriam estar acima de qualquer suspeita: a classe política.
A avaliar pelas respostas dadas ao longo do inquérito que A PÁGINA conduziu junto da geração que viveu o 25 de Abril, a decepção face aos objectivos preconizados pela revolução contrasta com a opinião de que o país soube consolidar a democracia conquistada em 1974.
Em geral, a avaliação mais negativa incide sobre a actuação da classe política. É ela que recolhe um maior número de críticas e sobre quem recai a responsabilidade de o país não ter conseguido aproveitar duas das maiores oportunidades na sua História ? a revolução e a entrada na União Europeia - para se pôr a par dos restantes países europeus.
?Após o período conturbado que se seguiu ao 25 de Abril houve uma esperança genuína de que o país pudesse recuperar o atraso que nos caracterizava. E, em parte, conseguimo-lo. Mas muito ficou por fazer e, nesse sentido, os actuais políticos, que foram os mesmos que na altura também contribuíram para a revolução, não souberam estar à altura das aspirações dos portugueses?, diz Fátima Costa, 48 anos, professora do ensino secundário, que na altura ?pouco percebia de política? mas sabia que algo de decisivo estava a marcar o país.
Apesar de nos anos seguintes à revolução ter participado activamente na vida política e de ter inclusivamente integrado listas eleitorais de um partido que prefere não designar, Fátima Costa admite ter deixado de acreditar no sistema político e hoje em dia já não exerce sequer o seu direito de voto.
?Sentia que estava a contribuir para a manutenção de um sistema viciado?, refere num tom de lamento. Uma decepção que se estende também à geração do 25 de Abril que, na sua opinião, se ?aburguesou? e esqueceu alguns dos valores que lhe eram caros na altura da revolução. ?Se calhar, a juventude de hoje deveria fazer outra revolução?.
Geração de 74:
"Portugal foi um exemplo de transição para a democracia"
Cláudia Pereira nasceu em pleno ano da revolução. E conta uma história curiosa: ?a minha mãe sentiu uma alegria muito grande quando se deu o 25 de Abril e diz que eu sou bonita porque essa felicidade foi transposta para mim quando ainda estava na barriga dela. Parece maluquice, mas ela acredita nisso??, diz com um largo sorriso, parecendo ela própria acreditar, de certa maneira, na história da mãe.
As memórias mais antigas desta jovem farmacêutica recuam ao início dos anos oitenta e estão associadas principalmente à indumentária da altura: roupa justa, cabelos compridos, calças boca-de-sino e óculos com lentes enormes, "daqueles que fazem lembrar os olhos de uma mosca", explica com as mãos postas em torno dos olhos.
"É curioso verificar como muitas dessas coisas se voltam hoje a usar?, diz, recordando também alguns murais - que entretanto desapareceram das paredes da cidade - com inscrições de propaganda política, ?com muitas foices e martelos à mistura?.
?Portugal está muito diferente do que era, mas não sei se evoluiu no melhor caminho: hoje temos estradas que nos ligam a todo o lado e montras cheias de coisas bonitas, mas nem toda a gente tem acesso a elas?.
Opinião contrária tem Pedro Queiroz, técnico de seguros, nascido em 1975, para quem o país foi um exemplo do que deveriam ser todas as transições de sistemas ditatoriais para a democracia. ?Se não tivéssemos sido um exemplo nunca teríamos entrado para a União Europeia praticamente dez anos depois da revolução?. E não tem dúvidas em afirmar que, se o 25 de Abril não tivesse ocorrido em 1974, "mais cedo ou mais tarde os portugueses iriam acordar para a necessidade de transição e de modernização do país".
Embora admita que nem tudo tenha corrido como provavelmente teriam esperado os revolucionários da altura, garante que o país soube aproveitar a oportunidade de integrar um grande bloco económico e assume-se hoje como um "país moderno".
Mais cauteloso na sua análise, Vítor Costa, 34 anos, técnico oficial de contas, considera "enganosa" a liberdade de expressão trazida pelo 25 de Abril porque, justifica, a comunicação social, apesar de não ser censurada como há trinta anos, "fala apenas sobre aquilo que vende e não sobre aquilo que é necessário". Além disso, acrescenta, o poder económico caiu novamente nas mãos dos poderosos e isso é um facto que, indirectamente, "limita a liberdade dos cidadãos".
Partindo destes argumentos, Costa conclui que o 25 de Abril, afinal, "não valeu tanto a pena como isso", porque além de as pessoas não terem adquirido noção de "onde começa e acaba a liberdade", de que vale uma revolução quando nem a própria Constituição da República dela saída é respeitada? Isto, justifica, porque nela se fala de liberdade de expressão e de responsabilidades do Estado, mas este tem vindo a privatizar as suas responsabilidades em áreas tão fundamentais como a saúde, a educação ou a habitação, que na altura da revolução eram consideradas pilares fundamentais da democracia emergente.
Geração de 80:
"Políticos fazem parte do problema, não da solução"
Apesar de terem nascido alguns anos após a revolução, os jovens da geração de oitenta parecem ter um razoável conhecimento das causas que estiveram na origem do 25 de Abril e do próprio desenrolar dos acontecimentos.
Mais ainda se estivermos perante duas estudantes de sociologia como Márcia Oliveira, 22 anos, aluna da faculdade de letras da Universidade de Lisboa, e Daniela Santos, 23 anos, aluna do mesmo curso da Universidade do Porto, a quem questionamos qual seria a maior conquista de Abril. Na opinião das duas amigas a resposta é consensual: a liberdade de expressão e de associação política. Mas se em relação à primeira o pressuposto permanece válido, já em relação à segunda instalam-se certas dúvidas sobre a sua utilidade.
?Agora pode-se votar no partido da nossa preferência, mas essa liberdade não implica necessariamente que estejamos a votar nas propostas que nos parecem mais adequadas e nem sempre temos a garantia que as promessas eleitorais são cumpridas?.
Isto, explica Márcia Oliveira, porque os partidos políticos estão condicionados por factores que eles próprios não controlam, principalmente aqueles que se prendem com o contexto internacional e que determinam indirectamente a sua linha de actuação?. Assim sendo, conclui, a liberdade de voto não passa de um ?exercício de legitimação do poder?.
Além disso, sublinha, ?os políticos que agora governam o país, que são os mesmos que fizeram o 25 de Abril, têm demonstrado, infelizmente, que fazem mais parte do problema do que parte da solução para os problemas que afectam Portugal?.
Daniela Santos não só subscreve a opinião da amiga como sublinha o papel negativo da classe política portuguesa na condução da vida do país nos últimos trinta anos. Na sua perspectiva, Portugal perdeu uma excelente oportunidade de modernizar o seu aparelho produtivo e de investir na promoção da educação e das áreas sociais com as verbas provenientes da União Europeia, que, na sua perspectiva, foram ?mal distribuídas?.
Assim, diz, ?o país tem hoje muitas auto-estradas mas isso não resolveu as graves carências que o país sente em termos de qualificação da população activa e da prestação de serviços básicos. E isso, parecendo que não, também limita a liberdade das pessoas?.
Apesar de não ter a mesma opinião de Márcia e Daniela sobre a forma como a revolução influiu no desenvolvimento do país, Filipe Carvalho, 24 anos, concorda com o facto de a revolução de Abril ter sido um marco histórico que permitiu transformar o país.
Assim, para este finalista do curso de engenharia mecânica da Universidade do Porto, o 25 de Abril é a data mais significativa do século XX português na medida em que é ela que inaugura a era do ?Portugal moderno e democrático?. Ao contrário das duas estudantes de sociologia, considera que ?o progresso do país é indiscutível? e que, hoje em dia, os portugueses têm acesso a bens e serviços até então vedados à maioria, nomeadamente na área da saúde e da educação.
?A democracia é um sistema justo e funciona. Portugal é prova disso. Claro que não é perfeito e pode mesmo criar algumas distorções, mas quem não está de acordo com ele que invente um melhor??.
Geração de 90:
"25 de Abril foi uma espécie de guerra que se passou há muitos anos"
A geração nascida nos anos noventa pouco sabe do 25 de Abril. A maior parte dos miúdos entrevistados pela PÁGINA ouviu falar de uma revolução com ?flores?, que até houve tanques na rua, mas poucos conhecem as motivações que estiveram por trás dela.
Reunidos à porta da Escola Básica de 2º e 3º ciclo Gomes Teixeira, no Porto, um grupo de três amigos fala sobre a façanha do Futebol Clube do Porto que, na noite anterior, tinha eliminado o Manchester United da Liga dos Campeões em futebol. Entusiasmados com a conversa, pouco atenção dão ao jornalista quando este os questiona sobre a revolução dos cravos. ?Já vi imagens na televisão, mas não me lembro ao certo o que aconteceu?, diz Pedro Dias, 11 anos, enquanto olha distraidamente para a bola de futebol que vai rodando sobre as mãos.
?Havia um presidente que se chamava Salazar e depois vieram os tropas com tanques para a rua, mas não sei o que se passou depois disso?, explica por sua vez o Pedro Oliveira, da mesma idade, olhando para o amigo ao lado ? Daniel Costa, um ano mais velho do que os dois - como quem pede ajuda para terminar a história. ?Eu também já vi imagens na televisão e acho que foi uma espécie de guerra que se passou há muitos anos. Para quê não sei, mas tem a ver com política??.
Quase ao lado, duas miúdas ouvem com curiosidade a conversa e decidem intervir. ?O 25 de Abril serviu para trazer liberdade às pessoas, porque antes não se podia falar sobre tudo o que quiséssemos?, explica Catarina Figueira, com 12 anos, a quem os pais já lhe tinham falado sobre o assunto. A amiga, um ano mais nova, não sabia disto, mas, à semelhança dos colegas rapazes, já tinha visto imagens na televisão de soldados nas ruas e pessoas que lhes estendiam flores vermelhas. ?Em que ano foi? Não me lembro??.
Joana Amaral é aluna do 2º ciclo na mesma escola e é a que melhor parece conhecer os factos que estiveram na origem da madrugada que mudou o curso da história recente portuguesa. A formação política dos pais - a Joana diz que ?eles são de esquerda? ? ajudou-a, na sua opinião, a saber mais do que a maioria dos colegas. Então, afinal de que se tratou? ?O 25 de Abril foi uma revolução que derrubou a ditadura e trouxe a liberdade às pessoas?, sintetiza Joana.
Na escola, porém, ela diz que ?pouco se aprende? sobre a data. No ano passado a professora de História falou-lhes sobre o assunto mas não ficou a saber muito mais em relação àquilo que os pais já lhe tinham explicado. ?Ainda por cima foi uma ?seca?, porque não havia imagens, a professora só falou e a maioria dos colegas estava distraído?.
É notório que quando se fala sobre a revolução de Abril os miúdos a associam a política e parecem, por isso, não lhe atribuir grande importância. Isso mesmo transpareceu da conversa que a A PÁGINA manteve com outros dois miúdos da geração de 90, que encontrámos a estudar na biblioteca Almeida Garrett.
?O 25 de Abril foi um golpe de Estado do exército para derrubar a ditadura?, afirma João Meireles, aluno do 7º ano, para quem este facto histórico está relacionado com a política e ele confessar que essa matéria não lhe interessa.
?A política é uma ?seca? e eu acho que nunca vou votar?, diz com uma certa indiferença, argumento aproveitado pelo jornalista para o questionar sobre se essa própria liberdade de escolha está ou não directamente relacionada com os próprios princípios da revolução. ?Nunca tinha pensado nisso, mas talvez esteja... Antes não se podia votar livremente, agora pode?.
O Pedro Tavares, colega de turma do João, garante, à semelhança do amigo, que também ele nunca irá votar. É que, na sua opinião, "os políticos prometem e nunca cumprem", pelo que não vale a pena o esforço. Mas e se todos deixassem de votar, como era? "Não sei, mas pelo menos na televisão deixava de se falar tanto na política e podiam passar mais filmes...".
Depoimentos recolhidos por Ricardo Jorge Costa
Ricardo Jorge Costa; Jornal a Página da Educação" , ano 13, nº 133, Abril 2004, p. 35.
O dossier de A PÁGINA tem neste número um formato um pouco diferente do habitual. Para assinalarmos o trigésimo aniversário da revolução que marcou a história do Portugal contemporâneo, fomos ouvir quatro gerações de portugueses - a que participou directamente nos acontecimentos, a que nasceu por altura da revolução e as gerações de 80 e de 90 - procurando saber, trinta anos depois, para que serviu afinal o 25 de Abril? E o País: mudou para melhor ou para pior? Ficam os testemunhos.
Há trinta anos, numa madrugada sem chuva, Portugal acordava para um dia que iria mudar a sua face. Estava-se a 25 e o mês era Abril. Na rádio ouvia-se "E Depois do Adeus", de Paulo de Carvalho. Algumas horas mais tarde, vivia-se nas ruas a confusão própria de um período revolucionário em curso. Pois é: já passaram três décadas desde a revolução dos cravos, mas a memória daquele que é um dos mais significativos acontecimentos históricos do país continua bem vivo no espírito de muitos portugueses.
Ainda vivo em Carlos Maia, por exemplo, na altura um jovem de 22 anos militante do Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses/ Movimento Revolucionário do Proletariado Português, crente nos ideais revolucionários e na soberania popular como único meio de dar um novo rumo ao país. ?Era um tempo de poesia ? a célebre frase inscrita no quadro de Vieira da Silva 'A poesia está na rua' reflecte muito bem o espírito que se viveu nesse período ? e de esperança no futuro?, diz com alguma melancolia à mistura.
Trinta anos depois, admite que o optimismo deu lugar à decepção. ?Vivemos numa democracia, que era a principal aspiração do povo português, mas ficou-se, na minha opinião, aquém daquilo que se ambicionava: uma verdadeira democracia popular, onde os cidadãos participassem activamente na vida política e decidissem por si o que considerassem mais conveniente para o país. Hoje em dia não é isso que acontece, e a elevada abstenção nas eleições é disso um reflexo?.
Uma visão diferente da de António Narciso, 54 anos, gerente comercial, que confessa não ter entrado em grandes entusiasmos político-partidários e encarado com alguma reserva a situação que se gerou no pós 25 de Abril.
Recorda que foi uma altura muito confusa, com as diferentes facções partidárias a confrontarem-se de forma violenta, e chegou mesmo a temer por uma guerra civil. ?Ainda bem que houve bom senso, mas correu-se um sério risco de confronto armado generalizado e de uma ditadura de esquerda chegar ao poder?.
Desde então, considera que o país evoluiu para uma situação estável e acredita mesmo que Portugal deu uma lição de civismo ao mundo, mostrando como se pode transitar pacificamente de uma ditadura para uma democracia. ?Em muitos outros países uma revolução como a nossa teria terminado num banho de sangue, mas os portugueses são um povo pacífico e mostraram como, mesmo com divisões, se consegue chegar a um consenso para atingir o bem comum".
Apesar de ser favorável a um regime democrático, considera que na ditadura de Salazar não se vivia a "bandalheira" que hoje se verifica no país, dando como exemplos a subida da criminalidade e a corrupção generalizada, inclusivamente entre aqueles que, na sua opinião, deveriam estar acima de qualquer suspeita: a classe política.
A avaliar pelas respostas dadas ao longo do inquérito que A PÁGINA conduziu junto da geração que viveu o 25 de Abril, a decepção face aos objectivos preconizados pela revolução contrasta com a opinião de que o país soube consolidar a democracia conquistada em 1974.
Em geral, a avaliação mais negativa incide sobre a actuação da classe política. É ela que recolhe um maior número de críticas e sobre quem recai a responsabilidade de o país não ter conseguido aproveitar duas das maiores oportunidades na sua História ? a revolução e a entrada na União Europeia - para se pôr a par dos restantes países europeus.
?Após o período conturbado que se seguiu ao 25 de Abril houve uma esperança genuína de que o país pudesse recuperar o atraso que nos caracterizava. E, em parte, conseguimo-lo. Mas muito ficou por fazer e, nesse sentido, os actuais políticos, que foram os mesmos que na altura também contribuíram para a revolução, não souberam estar à altura das aspirações dos portugueses?, diz Fátima Costa, 48 anos, professora do ensino secundário, que na altura ?pouco percebia de política? mas sabia que algo de decisivo estava a marcar o país.
Apesar de nos anos seguintes à revolução ter participado activamente na vida política e de ter inclusivamente integrado listas eleitorais de um partido que prefere não designar, Fátima Costa admite ter deixado de acreditar no sistema político e hoje em dia já não exerce sequer o seu direito de voto.
?Sentia que estava a contribuir para a manutenção de um sistema viciado?, refere num tom de lamento. Uma decepção que se estende também à geração do 25 de Abril que, na sua opinião, se ?aburguesou? e esqueceu alguns dos valores que lhe eram caros na altura da revolução. ?Se calhar, a juventude de hoje deveria fazer outra revolução?.
Geração de 74:
"Portugal foi um exemplo de transição para a democracia"
Cláudia Pereira nasceu em pleno ano da revolução. E conta uma história curiosa: ?a minha mãe sentiu uma alegria muito grande quando se deu o 25 de Abril e diz que eu sou bonita porque essa felicidade foi transposta para mim quando ainda estava na barriga dela. Parece maluquice, mas ela acredita nisso??, diz com um largo sorriso, parecendo ela própria acreditar, de certa maneira, na história da mãe.
As memórias mais antigas desta jovem farmacêutica recuam ao início dos anos oitenta e estão associadas principalmente à indumentária da altura: roupa justa, cabelos compridos, calças boca-de-sino e óculos com lentes enormes, "daqueles que fazem lembrar os olhos de uma mosca", explica com as mãos postas em torno dos olhos.
"É curioso verificar como muitas dessas coisas se voltam hoje a usar?, diz, recordando também alguns murais - que entretanto desapareceram das paredes da cidade - com inscrições de propaganda política, ?com muitas foices e martelos à mistura?.
?Portugal está muito diferente do que era, mas não sei se evoluiu no melhor caminho: hoje temos estradas que nos ligam a todo o lado e montras cheias de coisas bonitas, mas nem toda a gente tem acesso a elas?.
Opinião contrária tem Pedro Queiroz, técnico de seguros, nascido em 1975, para quem o país foi um exemplo do que deveriam ser todas as transições de sistemas ditatoriais para a democracia. ?Se não tivéssemos sido um exemplo nunca teríamos entrado para a União Europeia praticamente dez anos depois da revolução?. E não tem dúvidas em afirmar que, se o 25 de Abril não tivesse ocorrido em 1974, "mais cedo ou mais tarde os portugueses iriam acordar para a necessidade de transição e de modernização do país".
Embora admita que nem tudo tenha corrido como provavelmente teriam esperado os revolucionários da altura, garante que o país soube aproveitar a oportunidade de integrar um grande bloco económico e assume-se hoje como um "país moderno".
Mais cauteloso na sua análise, Vítor Costa, 34 anos, técnico oficial de contas, considera "enganosa" a liberdade de expressão trazida pelo 25 de Abril porque, justifica, a comunicação social, apesar de não ser censurada como há trinta anos, "fala apenas sobre aquilo que vende e não sobre aquilo que é necessário". Além disso, acrescenta, o poder económico caiu novamente nas mãos dos poderosos e isso é um facto que, indirectamente, "limita a liberdade dos cidadãos".
Partindo destes argumentos, Costa conclui que o 25 de Abril, afinal, "não valeu tanto a pena como isso", porque além de as pessoas não terem adquirido noção de "onde começa e acaba a liberdade", de que vale uma revolução quando nem a própria Constituição da República dela saída é respeitada? Isto, justifica, porque nela se fala de liberdade de expressão e de responsabilidades do Estado, mas este tem vindo a privatizar as suas responsabilidades em áreas tão fundamentais como a saúde, a educação ou a habitação, que na altura da revolução eram consideradas pilares fundamentais da democracia emergente.
Geração de 80:
"Políticos fazem parte do problema, não da solução"
Apesar de terem nascido alguns anos após a revolução, os jovens da geração de oitenta parecem ter um razoável conhecimento das causas que estiveram na origem do 25 de Abril e do próprio desenrolar dos acontecimentos.
Mais ainda se estivermos perante duas estudantes de sociologia como Márcia Oliveira, 22 anos, aluna da faculdade de letras da Universidade de Lisboa, e Daniela Santos, 23 anos, aluna do mesmo curso da Universidade do Porto, a quem questionamos qual seria a maior conquista de Abril. Na opinião das duas amigas a resposta é consensual: a liberdade de expressão e de associação política. Mas se em relação à primeira o pressuposto permanece válido, já em relação à segunda instalam-se certas dúvidas sobre a sua utilidade.
?Agora pode-se votar no partido da nossa preferência, mas essa liberdade não implica necessariamente que estejamos a votar nas propostas que nos parecem mais adequadas e nem sempre temos a garantia que as promessas eleitorais são cumpridas?.
Isto, explica Márcia Oliveira, porque os partidos políticos estão condicionados por factores que eles próprios não controlam, principalmente aqueles que se prendem com o contexto internacional e que determinam indirectamente a sua linha de actuação?. Assim sendo, conclui, a liberdade de voto não passa de um ?exercício de legitimação do poder?.
Além disso, sublinha, ?os políticos que agora governam o país, que são os mesmos que fizeram o 25 de Abril, têm demonstrado, infelizmente, que fazem mais parte do problema do que parte da solução para os problemas que afectam Portugal?.
Daniela Santos não só subscreve a opinião da amiga como sublinha o papel negativo da classe política portuguesa na condução da vida do país nos últimos trinta anos. Na sua perspectiva, Portugal perdeu uma excelente oportunidade de modernizar o seu aparelho produtivo e de investir na promoção da educação e das áreas sociais com as verbas provenientes da União Europeia, que, na sua perspectiva, foram ?mal distribuídas?.
Assim, diz, ?o país tem hoje muitas auto-estradas mas isso não resolveu as graves carências que o país sente em termos de qualificação da população activa e da prestação de serviços básicos. E isso, parecendo que não, também limita a liberdade das pessoas?.
Apesar de não ter a mesma opinião de Márcia e Daniela sobre a forma como a revolução influiu no desenvolvimento do país, Filipe Carvalho, 24 anos, concorda com o facto de a revolução de Abril ter sido um marco histórico que permitiu transformar o país.
Assim, para este finalista do curso de engenharia mecânica da Universidade do Porto, o 25 de Abril é a data mais significativa do século XX português na medida em que é ela que inaugura a era do ?Portugal moderno e democrático?. Ao contrário das duas estudantes de sociologia, considera que ?o progresso do país é indiscutível? e que, hoje em dia, os portugueses têm acesso a bens e serviços até então vedados à maioria, nomeadamente na área da saúde e da educação.
?A democracia é um sistema justo e funciona. Portugal é prova disso. Claro que não é perfeito e pode mesmo criar algumas distorções, mas quem não está de acordo com ele que invente um melhor??.
Geração de 90:
"25 de Abril foi uma espécie de guerra que se passou há muitos anos"
A geração nascida nos anos noventa pouco sabe do 25 de Abril. A maior parte dos miúdos entrevistados pela PÁGINA ouviu falar de uma revolução com ?flores?, que até houve tanques na rua, mas poucos conhecem as motivações que estiveram por trás dela.
Reunidos à porta da Escola Básica de 2º e 3º ciclo Gomes Teixeira, no Porto, um grupo de três amigos fala sobre a façanha do Futebol Clube do Porto que, na noite anterior, tinha eliminado o Manchester United da Liga dos Campeões em futebol. Entusiasmados com a conversa, pouco atenção dão ao jornalista quando este os questiona sobre a revolução dos cravos. ?Já vi imagens na televisão, mas não me lembro ao certo o que aconteceu?, diz Pedro Dias, 11 anos, enquanto olha distraidamente para a bola de futebol que vai rodando sobre as mãos.
?Havia um presidente que se chamava Salazar e depois vieram os tropas com tanques para a rua, mas não sei o que se passou depois disso?, explica por sua vez o Pedro Oliveira, da mesma idade, olhando para o amigo ao lado ? Daniel Costa, um ano mais velho do que os dois - como quem pede ajuda para terminar a história. ?Eu também já vi imagens na televisão e acho que foi uma espécie de guerra que se passou há muitos anos. Para quê não sei, mas tem a ver com política??.
Quase ao lado, duas miúdas ouvem com curiosidade a conversa e decidem intervir. ?O 25 de Abril serviu para trazer liberdade às pessoas, porque antes não se podia falar sobre tudo o que quiséssemos?, explica Catarina Figueira, com 12 anos, a quem os pais já lhe tinham falado sobre o assunto. A amiga, um ano mais nova, não sabia disto, mas, à semelhança dos colegas rapazes, já tinha visto imagens na televisão de soldados nas ruas e pessoas que lhes estendiam flores vermelhas. ?Em que ano foi? Não me lembro??.
Joana Amaral é aluna do 2º ciclo na mesma escola e é a que melhor parece conhecer os factos que estiveram na origem da madrugada que mudou o curso da história recente portuguesa. A formação política dos pais - a Joana diz que ?eles são de esquerda? ? ajudou-a, na sua opinião, a saber mais do que a maioria dos colegas. Então, afinal de que se tratou? ?O 25 de Abril foi uma revolução que derrubou a ditadura e trouxe a liberdade às pessoas?, sintetiza Joana.
Na escola, porém, ela diz que ?pouco se aprende? sobre a data. No ano passado a professora de História falou-lhes sobre o assunto mas não ficou a saber muito mais em relação àquilo que os pais já lhe tinham explicado. ?Ainda por cima foi uma ?seca?, porque não havia imagens, a professora só falou e a maioria dos colegas estava distraído?.
É notório que quando se fala sobre a revolução de Abril os miúdos a associam a política e parecem, por isso, não lhe atribuir grande importância. Isso mesmo transpareceu da conversa que a A PÁGINA manteve com outros dois miúdos da geração de 90, que encontrámos a estudar na biblioteca Almeida Garrett.
?O 25 de Abril foi um golpe de Estado do exército para derrubar a ditadura?, afirma João Meireles, aluno do 7º ano, para quem este facto histórico está relacionado com a política e ele confessar que essa matéria não lhe interessa.
?A política é uma ?seca? e eu acho que nunca vou votar?, diz com uma certa indiferença, argumento aproveitado pelo jornalista para o questionar sobre se essa própria liberdade de escolha está ou não directamente relacionada com os próprios princípios da revolução. ?Nunca tinha pensado nisso, mas talvez esteja... Antes não se podia votar livremente, agora pode?.
O Pedro Tavares, colega de turma do João, garante, à semelhança do amigo, que também ele nunca irá votar. É que, na sua opinião, "os políticos prometem e nunca cumprem", pelo que não vale a pena o esforço. Mas e se todos deixassem de votar, como era? "Não sei, mas pelo menos na televisão deixava de se falar tanto na política e podiam passar mais filmes...".
Depoimentos recolhidos por Ricardo Jorge Costa
Ricardo Jorge Costa; Jornal a Página da Educação" , ano 13, nº 133, Abril 2004, p. 35.
05 fevereiro 2009
UM TESTEMUNHO
Naquela madrugada não realizei o que íamos fazer, não dei conta do acto em si...O cap. Salgueiro Maia convidou-nos a ir para Lisboa fazer um golpe de Estado, era 1,00 hora da madrugada de 25 de Abril de 1974, tínhamos apagado a luz da camarata há coisa de 15 minutos.
Era uma linguagem a que não estávamos habituados e pensámos tratar-se de acção psicológica, de mais uma instrução nocturna...contudo achámos que desta vez o nosso comandante de esquadrão estava a ir longe demais.
Verdadeiramente só começámos a acreditar, no momento em que fizémos fila para receber munições e granadas reais....Alto...qualquer coisa se passa! Todos responderam ao convite, ninguém quis ficar no quartel; com o cap. Salgueiro Maia iríamos até ao fim do mundo, e, medo era coisa que não tínhamos, ou não tivéssemos 20 e poucos anos.
Houve momentos de tensão, não posso negar, mas todos juntos e com a ajuda do povo, conseguimos levar a melhor. Não esqueço a coragem daquele homem, em cima dos carros de combate, de megafone na mão. Definitivamente o regime tinha chegado ao fim, e, por Deus, de uma forma pacífica.
Assistimos à rendição dos membros do Governo que se tinham refugiado no Quartel do Carmo, entre eles o Presidente do Conselho, Prof. Marcelo Caetano. O acolhimento da população foi memorável e o regresso a Santarém, quase impossível, com tantas pessoas à nossa passagem.
No fim de tudo, dei-me conta que tinha ajudado acabar com o regime que tanto mal fizera ao meu Avô...ironia do destino!
Francisco de Sousa Mendes
(Neto de Aristides de Sousa Mendes)
Copiei este testemunho do Blog URBAN JUNGLE
20 janeiro 2009
CRIAÇÃO DE CARTAZ
Concurso de design - Criação de cartaz
Comemoração do 35º aniversário do
25 de Abril de 1974
No âmbito da cooperação estabelecida com o Ministério da
Educação, a Associação 25 de Abril (A25A) lançou, em parceria
com a DGIDC, um concurso de design para criação de um cartaz
original comemorativo do 35º aniversário do 25 de Abril de 1974,
de âmbito nacional e dirigido a alunos do ensino secundário. Regulamento NormasAno lectivo de 2008/2009
Uma iniciativa:
Associação 25 de Abril (A25A),
DGIDC - Direcção Geral da Inovação e Desenvolvimento Curricular
13 maio 2008
CAMPO DO TARRAFAL
A Colónia Penal do Tarrafal, situada no lugar de Chão Bom do concelho do Tarrafal, na ilha de Santiago (Cabo Verde), foi criada pelo Governo português do Estado Novo ao abrigo do Decreto-Lei n.º 26 539, de 23 de Abril de 1936.
Em 18 de Outubro de 1936 partiram de Lisboa os primeiros 152 detidos, entre os quais se contavam participantes do 18 de Janeiro de 1934 na Marinha Grande (37) e marinheiros que se tinham amotinado a bordo de um navio de guerra no Tejo.
O Campo do Tarrafal, ou Campo de Concentração do Tarrafal, como ficou conhecido, começou a funcionar em 29 de Outubro de 1936, com a chegada dos primeiros prisioneiros.
O Estado Novo, sob a capa da reorganização dos estabelecimentos prisionais, ao criar este campo pretende atingir dois objectivos ligados entre si: afastar da metrópole presos problemáticos, e, através das deliberadas más condições de encarcerramento, enviar um sinal de que a repressão dos contestatários será levada ao extremo.
Esta visão está claramente definida nos primeiros parágrafos do Decreto-Lei n.º 26 539, ao afirmar que serve para receber os presos políticos e sociais, sobre quem recai o dever de cumprir o desterro, aqueles que internados em outros estabelecimentos prisionais se mostram refractários à disciplina e ainda os elementos perniciosos para outros reclusos. Este diploma abrange também os condenados a pena maior por crimes praticados com fins políticos, os presos preventivos, e, por fim, os presos por crime de rebelião.
Mortos no Tarrafal
Foram 37 os antifascistas portugueses assassinados no Tarrafal; os seus corpos só depois do 25 de Abril puderam voltar à pátria:
Francisco José Pereira: Marinheiro, 28 anos (Lisboa, 1909 - Tarrafal 20 de Setembro de 1937)
Pedro de Matos Filipe: Descarregador, 32 anos (Almada, 19 de Junho de 1905 - Tarrafal, 20 de Setembro de 1937)
Francisco Domingues Quintas: Industrial, 48 anos (Grijó, Porto, Abril de 1889 - Tarrafal, 22 de Setembro de 1937)
Rafael Tobias Pinto da Silva: Relojoeiro, 26 anos (Lisboa, 1911 - Tarrafal 22 de Setembro de 1937)
Augusto Costa: Operário vidreiro (Leiria, ? - Tarrafal, 22 de Setembro de 1937)
Cândido Alves Barja: Marinheiro, 27 anos (Castro Verde, Abril de 1910 - Tarrafal, 29 (24?) de Setembro de 1937)
Abílio Augusto Belchior: Marmorista, 40 anos (?, 1897 - Tarrafal, 29 de Outubro de 1937)
Francisco do Nascimento Esteves: Torneiro mecânico, 24 anos (Lisboa, 1914 - Tarrafal, 21 (29?) de Janeiro de 1938)
Arnaldo Simões Januário: Barbeiro, 41 anos (Coimbra, 1897 - Tarrafal, 27 de Março de 1938)
Alfredo Caldeira: Pintor decorador, 30 anos (Lisboa, 1908 - Tarrafal, 1 de Dezembro de 1938)
Fernando Alcobia: Vendedor de jornais, 24 anos (Lisboa, 1915 - Tarrafal, 19 de Dezembro de 1939)
Jaime da Fonseca e Sousa: Impressor, 38 anos (Tondela, 1902 - Tarrafal, 7 de Julho de 1940)
Albino António de Oliveira Coelho: Motorista, 43 anos (?, 1897 - Tarrafal, 11 de Agosto de 1940)
Mário dos Santos Castelhano: Empregado de escritório, 44 anos (Lisboa, Maio de 1896 - Tarrafal, 12 de Outubro de 1936)
Jacinto de Melo Faria Vilaça: Marinheiro, 26 anos (?, Maio de 1914 - Tarrafal, 3 de Janeiro de 1941)
Casimiro Júlio Ferreira: Funileiro, 32 anos (Lisboa, 4 de Fevereiro de 1909 - Tarrafal, 24 de Setembro de 1941)
Albino António de Oliveira de Carvalho: Comerciante, 57 anos (Póvoa do Lanhoso, 1884 - Tarrafal, 22 (23?) de Outubro de 1941)
António Guedes de Oliveira e Silva: Motorista, 40 anos (Vila Nova de Gaia, 1 de Maio de 1901 - Tarrafal, 3 de Novembro de 1941)
Ernesto José Ribeiro: Padeiro ou servente de pedreiro, 30 anos (Lisboa, Março de 1911 - Tarrafal, 8 de Dezembro de 1941)
João Lopes Dinis: Canteiro, 37 anos (Sintra, 1904 - Tarrafal, 12 de Dezembro de 1941)
Henrique Vale Domingues Fernandes: Marinheiro, 28 anos (?, Agosto de 1913 - Tarrafal, 7 de Janeiro (Julho?) de 1942)
Bento António Gonçalves: Torneiro mecânico, 40 anos (Fiães do Rio (Montalegre), 2 de Março de 1902 - Tarrafal, 11 de Setembro de 1942)
Damásio Martins Pereira: Operário (? - Tarrafal, 11 de Novembro de 1942)
António de Jesus Branco: Descarregador, 36 anos (Carregosa, 25 de Dezembro de 1906 - Tarrafal, 28 de Dezembro de 1942)
Paulo José Dias: Fogueiro marítimo, 39 anos (Lisboa, 24 de Janeiro de 1904 - Tarrafal, 13 de Janeiro de 1943)
Joaquim Montes: Operário corticeiro, 30 anos (Almada, 11 de Setembro de 1912 - Tarrafal, 14 de Fevereiro de 1943)
Manuel Alves dos Reis (? - Tarrafal, 11 de Junho de 1943)
Francisco Nascimento Gomes: Condutor, 34 anos (Vila Nova de Foz Côa, 28 de Agosto de 1909 - Tarrafal, 15 de Novembro de 1943)
Edmundo Gonçalves: 44 anos (Lisboa, Fevereiro de 1900 - Tarrafal, 13 de Junho de 1944)
Manuel Augusto da Costa: Pedreiro (? - Tarrafal, 3 de Junho de 1945)
Joaquim Marreiros: Marinheiro, 38 anos (Lagos, 1910 - Tarrafal, 3 de Novembro de 1948)
António Guerra: Empregado de comércio, 35 anos (Marinha Grande, 23 de Junho de 1913 - Tarrafal, 28 de Dezembro de 1948)
Encerramento e reactivação
O Campo do Tarrafal encerrou em 1954, tendo sido reactivado em 1961, sob a denominação de Campo do Chão Bom, para receber prisioneiros oriundos das colónias portuguesas.
In WIKIPÉDIA
30 abril 2008
O 25 de Abril em Poesia -
Com flores, com perfumes, com canções,
com crianças correndo na Avenida,
com lagartas, chaimites e canhões
e um cravo na G-3 gritando vida,
com os peitos arfando, e os corações
batendo de alegria desmedida,
subiam e desciam multidões
respirando a manhã reaparecida.
O corpo do meu Povo estremeceu
ao ver a Liberdade ali, à mão,
como uma flor que, súbito, aparece.
E a flor da Liberdade, então, colheu,
colocando-a bem junto ao coração
para que Abril ali permanecesse.
Fernando Peixoto
(Agradeço ao Amigo Albino Santos o envio deste poema)
Porto - 25 de Abril de 1974
O 25 de Abril no Porto
O 25 de Abril no Porto não teve a espectacularidade, o sincronismo e a determinação dos operacionais de Lisboa. Não teve, desde os primeiros momentos, a força e a generosidade espontânea do povo anónimo da Invicta. O povo do Porto só encheu a Avenida dos Aliados, a Praça do Município e a Praça da Liberdade, mais para o fim da tarde, depois de se saber que a marcha da revolução já era irreversível!
A indecisão, a falta de firmeza e as atitudes ambíguas por parte de algumas das forças ligadas ao Movimento, uma acção mais destemida e concentrada das forças fiéis ao regime, o corte dos telefones e da energia eléctrica ao Centro Emissor de Miramar do RCP, deu tempo para que as forças hostis ao Movimento mostrassem as suas garras.
Cronologia dos acontecimentos:
24/04/74
3 horas da manhã – A esta hora foi recebido no CICAP (Centro de Instrução de Condução Auto do Porto) o "Plano Geral das Operações". Homens da confiança do MFA e com este comprometidos, distribuíram essas instruções por todas as Unidades do Norte do País.
O major Delgado da Fonseca, ligado ao Movimento dos Capitães desde o seu início, foi destacado para o Porto em Janeiro de 1974. Foi um dos responsáveis pelo núcleo do Norte do MFA. Depois do Golpe das Caldas (16 de Março de 1974), apesar de vigiado e seguido pela Pide, foi transferido para Lamego para substituir oficiais demitidos após aquele Golpe.
22.30 horas – O major Delgado da Fonseca reuniu-se, num dos quartéis de Lamego, com os instrutores e outros elementos da sua confiança. Deu-lhes a conhecer o Programa do MFA e a operação que se iria desencadear nas primeiras horas do dia 25 de Abril, em Lisboa. Obtido o apoio de todos, foi constituída uma Companhia de Comandos que, armados até aos dentes, marchou sobre o Porto.
25/04/74
Até às 3 horas da madrugada: - Desde a primeira hora que o comandante do CICAP aderira ao MFA. No seu gabinete, juntamente com outros oficiais, com os ouvidos colados à telefonia, esperavam ouvir as “senhas”. A sintonia dos Emissores Associados de Lisboa era péssima e por isso não ouviram nem a “senha” nem a canção do Paulo de Carvalho. Sintonizaram a Rádio Renascença e aguardaram a segunda “senha”. À meia-noite e vinte minutos foi lida a primeira quadra de Grândola Vila Morena, seguida da canção do Zeca Afonso. Iniciada a operação e, como o segundo comandante não aderira ao Movimento, este teria de ser preso. Segundo o plano traçado por Otelo competia aos oficiais e soldados executarem as tarefas que lhes cabiam.
Em Lamego, depois dos instruendos terem sido informados do que se estava a passar e terem aderido ao Movimento, o Quartel Central onde se encontrava o major Delgado da Fonseca foi tomado pelos revoltosos. Às 3 horas da manhã partiram rumo ao Porto, tendo como missão ocupar a Pide/Dgs.
No Porto, tudo estava a correr como o previsto. O coronel Ramos Freitas, chefe da Região Militar do Porto, não aderira ao Movimento e foi necessário prendê-lo.
No RCP, na delegação do Porto, era difundida música, anúncios, notícias e comentários.
Às 2 horas, no Centro Emissor de Miramar, entrou de serviço o técnico Telmo de Morais. Nos estúdios de Tenente Valadim, no Porto, estava de serviço o operador Antero Rodrigues que controlava a emissão. Estava no ar, em simultâneo com Lisboa, o programa "A noite é nossa".
Das 4 às 6 horas da madrugada:
4 horas - Mudança na programação do RCP. Transmitia-se só música, muito poucas palavras e publicidade... nada!
4.26 horas - Joaquim Furtado leu o 1º Comunicado do Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas, seguindo-se de marchas militares. Telmo de Morais telefonou a Antero Rodrigues, em Tenente Valadim, chamando-lhe a atenção que algo de insólito se estava a passar. Este ficou com atenção à programação e ouviu o 2º Comunicado do MFA. Contactou imediatamente os estúdios de Lisboa que lhe disseram: "Eh, pá, não se está a passar nada, isto está normal, normalíssimo… Oh, pá, mas isto está tudo bem, não há problema nenhum, está tudo porreiro... Estão aqui uns militares amigos… Oh, pá, não posso dizer mais nada... Estão aqui militares amigos… Está tudo bem, tudo normal... E agora tenho que desligar!" Telefonou imediatamente para Miramar e pôs Telmo Morais a par da situação. Tentou, ainda, novo contacto com Lisboa mas os telefones não funcionavam.
4.30 horas - Telefonaram para casa do coronel Ramos Freitas, solicitando a sua presença urgente no QG. Ao sair de casa este foi preso por vários oficiais e soldados que o aguardavam e o levaram para o CICAP, onde foi fazer companhia ao 2º comandante desta Unidade, igualmente preso. De várias Unidades do Porto saíram homens e material rumo a objectivos desconhecidos.
5 horas - Fui acordado pelo telefonema de um amigo que me disse que algo de muito importante se estava a passar e que em Lisboa havia tropas na rua, no Porto havia movimentações militares e que o RCP estava a transmitir comunicados, marchas militares e canções proibidas. Saltei logo da cama e fui para a rua, sem antes dar a notícia a outros amigos…as primeiras pessoas, incrédulas e cheias de medo, começaram a aparecer nas ruas da cidade! Os telefones foram cortados em vários sectores, dificultando as comunicações entre as várias Unidades e o Quartel-General. As Unidades de Braga, Viana do Castelo e o RAP 1 tomaram as suas posições, conforme o plano previamente estabelecido.
Das 6 às 9 da manhã
6 horas - Dois camiões militares pararam enfrente ao Emissor de Miramar, os militares desembarcaram e cercaram o Emissor. Entraram no edifício e disseram a Telmo Morais que estavam ali para proteger e defender os emissores e as instalações do RCP. Em Tenente Valadim foi desfeito o simultâneo com Lisboa e retomada a programação normal. Apesar dos pedidos dos militares para ser retomado o simultâneo com Lisboa, este não foi feito.
7 horas - A Companhia de Comandos vinda de Lamego parou no Campo 24 de Agosto. O major Delgado da Fonseca telefonou de uma cabine pública para o QG (Praça da República) mas os telefones estavam cortados. Telefonou, depois, para o CICAP. O brigadeiro Eurico Corvacho alterou a missão dos Comandos e pediu-lhes que se dirigissem para esta Unidade. Um aparatoso e barulhento cortejo militar atravessou a cidade, passando pela Avenida dos Aliados, Rua dos Clérigos, Praça dos Leões, Carmo (mesmo nas barbas da GNR) e terminou no CICAP.
8 horas - A CHENOP (concessionária da energia eléctrica do Norte de Portugal) cortou a corrente eléctrica a Miramar, o que veio a impossibilitar que os militares e a população seguissem o desenrolar das operações em Lisboa. As tropas tomaram posições nos lugares chaves. Militares, carros de assalto e armas pesadas viram-se um pouco por toda a cidade. Na Ponte da Arrábida estavam tanques virados para o Sul; um blindado munido de um canhão apontava para a Câmara; soldados e carros moviam-se no aeroporto de Pedras Rubras...
8.30 - O Regimento de Infantaria 6 e o oficial que estava em Miramar tiveram a atitude de firmeza necessária para que o RCP retomasse o simultâneo com Lisboa. A partir daqui as operações começaram a desenrolarem-se ao ritmo desejado. Os comandos recém-chegados de Lamego, dividiram-se em dois grupos: um, dirigiu-se a Tenente Valadim e ocupou militarmente o RCP; outro, dirigiu-se para a Companhia dos Telefones e resolveram o corte dos telefones; o outro grupo dirigiu-se para os Estúdios da RTP, no Monte da Virgem, tomando-o sem qualquer resistência. As estações de rádio começaram a transmitir marchas militares, música de intervenção e comunicados.
A partir da 9 horas da manhã
9 horas - As pessoas, agora em maior número, começaram a juntar-se na Baixa portuense, em busca de notícias frescas, de união e de esperança. Estabeleceu-se uma comunhão recíproca entre populares e militares. Houve sorrisos no ar, compartilhou-se cigarros, comida, bebida, cravos vermelhos, palavras de ordem, gritos de vitória… Apesar dos apelos lançados pelo Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas e pelo Posto de Comando do MFA no Porto, o comandante da PSP mandou para a rua os seus homens, numa tentativa de intimidação e de provocação.
11 horas - O RCP ficou, a nível nacional, sem a rede de Modulação de Frequência e o Posto de Comando do MFA só era escutado através do emissor de Lisboa de Onda Média. Já no Porto, o major Delgado da Fonseca espalhou oficiais à paisana pela cidade, que o mantiveram informado não só do desenrolar das operações como também da aderência e do entusiasmo popular.
15 horas - A Baixa começou a ter uma moldura humana que buscava notícias. São os militares que orientavam o trânsito, respondiam às perguntas das pessoas e confraternizam com elas. Um grande jornal de parede, na entrada do jornal "O Comércio do Porto" dava as últimas notícias (constantemente renovadas) sobre o evoluir da revolução. Na Avenida dos Aliados e na Praça da Liberdade a multidão que engrossava a cada minuto que passava, começou aos gritos de "vitória", "viva o MFA", "abaixo o fascismo" "morte à Pide"…. Foi nesta altura que a polícia transportada em várias carrinhas carregou, lançando o pânico entre os manifestantes batendo, como era habitual nestas situações, nos populares indefesos. O simples engatilhar das armas dos soldados fez com que a polícia fugisse em debandada pela Avenida em direcção à Praça da Liberdade, largando cacetetes, bonés, sapatos e crachás. As carrinhas, ao tentarem fugir, foram alvo da fúria da multidão que carregou sobre elas, quebrando os vidros e ferindo os polícias que fugiam com gritos de pânico. Dos gritos "Morte à Pide", "Fascismo nunca mais" as palavras de ordem começaram a ser substituídas por "Liberdade para os presos políticos". A multidão começou a sair da Praça e a caminhar para a Rua do Heroísmo, tentando assaltar a Sede da tenebrosa polícia. A PSP que guardava a Pide foi atacada pela multidão. Houve tiros, correria de pessoas mas, pouco depois o número de manifestantes engrossou e a atitude destes não deixava qualquer dúvida. A PSP foi substituída por soldados, que tentaram pôr um tampão entre os manifestantes e elementos daquela polícia política.
Durante a noite o movimento na Baixa da cidade e na Rua do Heroísmo era muito. Cantava-se, davam-se vivas ao MFA, aos Soldados, aos Marinheiros. À Liberdade e esperava-se, pacientemente, o comunicado à Nação a ser feito pela Junta de Salvação Nacional recentemente formada.
26/04/74
Durante a madrugada e a manhã deste dia a multidão manteve-se compacta na sede da Pide, os agentes desta polícia resistiram e queimaram documentos, o que veio a dar origem a um reforço de tropas, com muitas viaturas e carros de assalto. Depois de intensas negociações, os presos políticos encarcerados na Rua do Heroísmo foram libertados, debaixo de uma forte ovação. Os agentes foram presos e conduzidos em viaturas militares para o Quartel da Região Militar do Porto, debaixo de uma vaia tremenda. Alguns carros que estavam nas proximidades do edifício e que "segundo parecia" pertenciam a agentes daquela polícia política, foram alvo da sanha da população enfurecida que os destruiu, entre gritos de júbilo!
Para concluir…
A Revolução de 1974 veio pôr termo ao regime autoritário implantado pela Revolução de 28 de Maio de 1926 e abrir caminho a um regime democrático assente no reconhecimento dos direitos, garantias e liberdades fundamentais dos cidadãos e numa concepção pluralista do poder político.
“Coimbra, 27 de Abril de 1974 – Ocupação das instalações da Pide.
Enquanto, juntamente com outros veteranos da oposição ao fascismo, presenciava a fúria de alguns exaltados que reclamavam a chacina dos agentes, acossados lá dentro, e lhes destruíam as viaturas, ia pensando no facto curioso de as vinganças raras vezes serem exercidas pelas efectivas vítimas da repressão. Há nelas um pudor que as não deixa macular o sofrimento.
São os outros, os que não sofreram, que se excedem, como se estivessem de má consciência e quisessem alardear um desespero que jamais sentiram”.
(In “Diário XII” . Miguel Torga)
José Gomes
Texto CHUVISCOS
25 abril 2008
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